Respirar oceano

Eu tinha 12 anos.

Ainda sinto o cheiro das tintas escolares e os fiapinhos dos pincéis em minhas mãos.

Depois de anos sem dar as caras, meus pés me levaram sem querer à escola do meu pai.

Subo as escadas...

Engraçado como tudo parece igual.

Lá estava a parede do mesmo jeito que deixei ao partir.

Os traços já fracos e cobertos por desenhos e letrinhas de crianças revelam o esboço de futuras criações.

Um sorriso frouxo escapa sem querer e uma lágrima começa a saltar de minha nostalgia.

Lembro de quando pedi ao papai para desenhar e ele disse "sim".

O êxtase tomou conta do meu corpo.

A sensação era mais saborosa do que um sorvete de baunilha naquele verão ensolarado.

Minhas mãos trêmulas só ficavam a imaginar que arte elaboraria. 

Os dias passaram depressa e finalmente havia decidido: vou desenhar o fundo do oceano!

Ora... não me julgue. 

Com 12 anos eu acreditava que de fato existiam sereias da Disney na imensidão azul. 

Asmática desde menina não aprendi a nadar e isso me deixava atônita. 

Na realidade fico até hoje.

Sinto falta de ar, falta de chão, falta do seco... 

Mas na parede não... eu era livre e ainda tirava sarro dos asmáticos sentando na pedra e conversando com os peixes e caranguejos.

O interessante é que ao me deparar novamente com esse desenho me senti feliz.

Lembrei da sensação de explorar um lugar imaginário.

Lembrei da minha falta de jeito.

Lembrei de como "eu criança" não tinha medo de estragar a parede.

Se me pedissem pra fazer isso agora, decerto negaria: pode ficar ruim! Não tenho tanta intimidade com os pincéis! Não sou formada em arte!

Nessa hora "eu criança" dá gargalhadas e me aponta o dedo dizendo que depois de crescida fiquei ridiculamente limitada.

Se, ser, serei, sereia.

Decidi me dar uma chance e inventar meu oceano.